PSICOTERAPIA DO PACIENTE BORDERLINE
Anteriormente publiquei, em 10/11 passado, um texto sobre a condição borderline (NAS FRONTEIRAS DO LIMITE DO VAZIO). Terminei-o falando rapidamente de algumas questões relacionadas ao âmbito da relação psicoterápica com pacientes/clientes com transtornos de personalidade borderline. Gostaria agora de dar continuidade ao assunto. Siga-me, então, quem quiser.
Uma pessoa cuja estrutura de personalidade se organiza de maneira borderline é uma pessoa que deseja ser amada incondicionalmente, amor este advindo de suas carências básicas e de suas necessidades idealizadas de ser acolhida e aceita sem limites. Evidente que uma pessoa de coração assim tão descontrolado acaba por afastar as pessoas de si, ou ela mesma se afastar das pessoas a qualquer frustração e desatenção. Vê-se, de antemão, tratar-se de pessoas que, quando em tratamento psicoterápico, tornam-se pacientes difíceis e que leva bastante tempo para que possam, de fato, estabelecer uma aliança terapêutica. Lembremos que na primeira década do século passado eram pacientes chamados de "não-analisáveis".
O objetivo intrapsíquico em uma psicoterapia com pacientes borderlines é propiciar um espaço onde o ego possa desenvolver-se. Trata-se de atender pessoas cuja organização em seu modo de ser e existir é caótica e desorganizada, com relacionamentos interpessoais instáveis e oscilantes. Nelas estão presentes padrões de comportamento impulsivos e baixa tolerância à frustração e à ansiedade. Sua impulsividade muitas vezes se manifesta em uma conduta e caráter auto e/ou aloagressivo, o que contribui para a dificuldade em ter e manter uma relação mais equilibrada e estável.
O modelo de atendimento psicoterápico de uma sessão semanal parece-nos insuficiente no enquadre com o paciente borderline, sendo duas sessão semanais, no mínimo, mais contraproducente. O reforçamento egóico é a meta inicial principal, evitando-se a associação livre e o trabalho interpretativo antes que o paciente demonstre um ego mais fortalecido frente a suas demandas impulsivas e mais tolerante quanto às frustrações e aos sentimentos de ansiedade. Trabalha-se, assim, com o material trazido e não diretamente com conteúdos e motivações inconscientes. Porém isto não é uma unanimidade do campo clínico, visto que há autores que sustentam o uso de interpretações precoces. Há controvérsias.
Nossa posição a respeito entende que o manejo clínico em situações tais parte de uma mudança paradigmática, isto é, a ênfase que se dá na construção de um vínculo seguro e uma relação terapeuta-paciente razoavelmente confiável. Não é fácil, sabemos, mas este é o foco primordial, quiçá, por muito tempo, até o único. A transferência negativa só é trabalhado em condições extremas que ameacem a continuidade do próprio processo psicoterápico. Neste sentido, percebe-se a importância da utilização dos aspectos psicodinâmicos característicos de uma abordagem suportiva e de apoio. Aqui reside um dos pontos nodais da psicoterapia com pacientes borderlines: a flexibilidade entre uma postura de apoio conjugada ao enfoque na própria relação terapêutica abordando percepções negativas e não-realistas ou excessivamente idealizadas que possam perturbar o tratamento propriamente dito.
Como escreve Rosa Cukier, em seu livro Sobrevivência Emocional: As dores da Infância Revividas no Drama Adulto, as dificuldades da psicoterapia com pessoas borderlines são inúmeras. A sensação, diz ela, é a "de estar construindo uma casa no meio a um furacão". As respostas emocionais do terapeuta podem ser intensificadas frente a intensidade emocional e afetiva que vive o paciente. Corre-se o risco, assim, de hiperdimencionar a raiva manifesta em detrimento da vulnerabilidade muitas vezes latente, bem como o risco de culpabilizar o paciente pela própria situação, autodestrutividade, desgraça ou baixo êxito terapêutico.
No acompanhamento com pacientes com transtornos borderline de personalidade os atos impulsivos e os acting outs são frequentes, diminuindo com o tempo e a confiança que vai se estabelecendo entre o par terapêutico. O holding é necessário para que os limites possam ser colocados e confrontados sem com isso o paciente se sinta mais invadido do que apoiado. O movimento dentro da clínica é um movimento de avanços e recuos, pois se trata da clínica da criança eternamente mal amada em busca do cuidador ideal. A barreira profissional deve ser preservada pela terapeuta a todo custo, porém isto não deve ser confundido com rigidez terapêutica ou excesso de assepsia profissional, pois são pessoas que precisam sentir a pessoa real do terapeuta. Firmeza não é sinônimo de aspereza.
Um componente importante a se destacar no acompanhamento com pacientes borderlines é a questão de como eles se enxergam. A percepção de si é marcadamente negativa, pois são pessoas que usualmente se vêem muitos pior do que são, seja fisicamente seja psicologicamente. Tanto a autoimagem quanto a autoestima são alteradas. Há internamente uma espécie de vácuo, proveniente de uma falta segurança afetiva interior. Por isso é comum serem pessoas que necessitam avidamente de aceitação, porém qualquer minima desatenção os levam a explosões de raiva. Podemos afirmar serem pessoas sufocadoras em sua constante fome de serem amadas. Neste sentido o trabalho clínico é contribuir para construir uma melhor imagem de si e de seus objetos de maneira mais realista, coerente e integrada.
Dentro da perspectiva de Kohut entende-se que o vínculo com um paciente borderline reproduz uma tentativa de reativar uma relação parental falha. Para Kohut a pedra fundamental da técnica psicoterápica é a empatia, priorizando trabalhar com sentimentos próximos da experiência vivenciada pelo sujeito em sua condição border. Deve-se, assim, evitar buscar significados ocultos e inconscientes, e enfocar a experiência subjetiva consciente do paciente. Todavia não se deve negligenciar questões inconscientes importantes, confrontando sempre que possível os componentes transferenciais negativos dirigidos aos outros e ao próprio psicoterapeuta.
Por mais tumultuado e caótico que seja a organização psíquica da estrutura borderline, são pessoas e como tal trazem consigo recursos não-psicóticos que podem ser acionados a serviço de uma melhor estabilidade possível. Embora sejam pacientes muitas vezes denominados de difíceis ou de difícil acesso a psicoterapia é possível e com resultados satisfatórios. Trata-se de um acompanhamento psicoterápico em princíprio de longo prazo cujos princípios básicos resumo abaixo:
- estrutura estável de tratamento;
- posição terapêutica ativa;
- continente à raiva do paciente;
- confrontação em relação aos comportamentos autodestrutivos;
- estabelecimento de conexão entre ação e sentimento;
- intervenções no aqui-agora
- automonitoramento da contratransferência
Uma clínica desafiadora e fascinante. Um mundo humano a ser melhor explorado, compreendido e ajudado. Deixo como sugestão o vídeo abaixo, referente a entrevista da psiquiatra e escritora Ana Beatriz Silva no programa Sem Censura na TV Brasil:
O modelo de atendimento psicoterápico de uma sessão semanal parece-nos insuficiente no enquadre com o paciente borderline, sendo duas sessão semanais, no mínimo, mais contraproducente. O reforçamento egóico é a meta inicial principal, evitando-se a associação livre e o trabalho interpretativo antes que o paciente demonstre um ego mais fortalecido frente a suas demandas impulsivas e mais tolerante quanto às frustrações e aos sentimentos de ansiedade. Trabalha-se, assim, com o material trazido e não diretamente com conteúdos e motivações inconscientes. Porém isto não é uma unanimidade do campo clínico, visto que há autores que sustentam o uso de interpretações precoces. Há controvérsias.
Nossa posição a respeito entende que o manejo clínico em situações tais parte de uma mudança paradigmática, isto é, a ênfase que se dá na construção de um vínculo seguro e uma relação terapeuta-paciente razoavelmente confiável. Não é fácil, sabemos, mas este é o foco primordial, quiçá, por muito tempo, até o único. A transferência negativa só é trabalhado em condições extremas que ameacem a continuidade do próprio processo psicoterápico. Neste sentido, percebe-se a importância da utilização dos aspectos psicodinâmicos característicos de uma abordagem suportiva e de apoio. Aqui reside um dos pontos nodais da psicoterapia com pacientes borderlines: a flexibilidade entre uma postura de apoio conjugada ao enfoque na própria relação terapêutica abordando percepções negativas e não-realistas ou excessivamente idealizadas que possam perturbar o tratamento propriamente dito.
Como escreve Rosa Cukier, em seu livro Sobrevivência Emocional: As dores da Infância Revividas no Drama Adulto, as dificuldades da psicoterapia com pessoas borderlines são inúmeras. A sensação, diz ela, é a "de estar construindo uma casa no meio a um furacão". As respostas emocionais do terapeuta podem ser intensificadas frente a intensidade emocional e afetiva que vive o paciente. Corre-se o risco, assim, de hiperdimencionar a raiva manifesta em detrimento da vulnerabilidade muitas vezes latente, bem como o risco de culpabilizar o paciente pela própria situação, autodestrutividade, desgraça ou baixo êxito terapêutico.
No acompanhamento com pacientes com transtornos borderline de personalidade os atos impulsivos e os acting outs são frequentes, diminuindo com o tempo e a confiança que vai se estabelecendo entre o par terapêutico. O holding é necessário para que os limites possam ser colocados e confrontados sem com isso o paciente se sinta mais invadido do que apoiado. O movimento dentro da clínica é um movimento de avanços e recuos, pois se trata da clínica da criança eternamente mal amada em busca do cuidador ideal. A barreira profissional deve ser preservada pela terapeuta a todo custo, porém isto não deve ser confundido com rigidez terapêutica ou excesso de assepsia profissional, pois são pessoas que precisam sentir a pessoa real do terapeuta. Firmeza não é sinônimo de aspereza.
Um componente importante a se destacar no acompanhamento com pacientes borderlines é a questão de como eles se enxergam. A percepção de si é marcadamente negativa, pois são pessoas que usualmente se vêem muitos pior do que são, seja fisicamente seja psicologicamente. Tanto a autoimagem quanto a autoestima são alteradas. Há internamente uma espécie de vácuo, proveniente de uma falta segurança afetiva interior. Por isso é comum serem pessoas que necessitam avidamente de aceitação, porém qualquer minima desatenção os levam a explosões de raiva. Podemos afirmar serem pessoas sufocadoras em sua constante fome de serem amadas. Neste sentido o trabalho clínico é contribuir para construir uma melhor imagem de si e de seus objetos de maneira mais realista, coerente e integrada.
Dentro da perspectiva de Kohut entende-se que o vínculo com um paciente borderline reproduz uma tentativa de reativar uma relação parental falha. Para Kohut a pedra fundamental da técnica psicoterápica é a empatia, priorizando trabalhar com sentimentos próximos da experiência vivenciada pelo sujeito em sua condição border. Deve-se, assim, evitar buscar significados ocultos e inconscientes, e enfocar a experiência subjetiva consciente do paciente. Todavia não se deve negligenciar questões inconscientes importantes, confrontando sempre que possível os componentes transferenciais negativos dirigidos aos outros e ao próprio psicoterapeuta.
Por mais tumultuado e caótico que seja a organização psíquica da estrutura borderline, são pessoas e como tal trazem consigo recursos não-psicóticos que podem ser acionados a serviço de uma melhor estabilidade possível. Embora sejam pacientes muitas vezes denominados de difíceis ou de difícil acesso a psicoterapia é possível e com resultados satisfatórios. Trata-se de um acompanhamento psicoterápico em princíprio de longo prazo cujos princípios básicos resumo abaixo:
- estrutura estável de tratamento;
- posição terapêutica ativa;
- continente à raiva do paciente;
- confrontação em relação aos comportamentos autodestrutivos;
- estabelecimento de conexão entre ação e sentimento;
- intervenções no aqui-agora
- automonitoramento da contratransferência
Uma clínica desafiadora e fascinante. Um mundo humano a ser melhor explorado, compreendido e ajudado. Deixo como sugestão o vídeo abaixo, referente a entrevista da psiquiatra e escritora Ana Beatriz Silva no programa Sem Censura na TV Brasil: